111. Narrativas de florestas e cidades
amazônicas: patrimônios, histórias e literaturas em trânsitos orais, escritos
e visuais
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Coordenador: FRANCISCO
BENTO DA SILVA (Doutor(a) - UFAC)
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Resumo: A proposta deste Simpósio Temático tem como foco
discutir os múltiplos aspectos relacionados aos patrimônios, histórias e
literaturas das Amazônias e Pan-Amazônia. No entrecruzamento
cultura-natureza/natureza-cultura estão pontuados os eixos articuladores da
perspectiva que norteia essa proposta de ambiente de reflexões. Neste sentido,
busca-se congregar os mais diversos discursos, escritas, abordagens e áreas do
conhecimento em que seus atores e autores transitam, dialogam e tecem
impressões a partir de suas específicas abordagens. As dimensões espaciais em
foco devem transitar pelos diferentes aspectos do urbano e do rural, de cidades
e florestas, da cultura e da natureza, das mobilidades e suas permanências,
imaginários e “realidades”, que devem ser pensados em suas fronteiras fluidas e
em permanentes diálogos, conflitos, usos, desusos, heranças e incorporações.
Desse modo, intenta-se aproximar tanto as universidades e pesquisadores de
distintos territórios amazônicos, quanto outras vozes externas a eles, pautadas
pelas questões do tempo presente para, entre as persistentes criações,
recriações e incorporações vividas pelo patrimônio material e imaterial das
populações de tradições orais, rurais e ribeirinhas amazônicas, pontuar
estratégias de valorização de estudos e publicações articuladoras dos saberes e
vozes de distintos sujeitos sociais, tradicionalmente silenciados no âmbito de
uma historiografia de caráter amazonialista.
Justificativa: A escrita do conhecimento acerca de patrimônios,
histórias e literaturas gestadas no ventre de culturas Amazônicas e
Pan-Amazônicas pode ganhar consistentes fios em trabalhos acadêmicos, cujo foco
versa por diálogos com documentos orais, escritos e visuais. Situadas em tempos
e contextos a agregar temporalidades e espacialidades, tradições e
modernidades, localidades e globalidades, essas linguagens permitem leituras
capazes de adentrar variados ambientes, onde populações locais ou em
deslocamentos inscrevem, em seus enfretamentos cotidianos, todo um modo de vida
e de luta, representados em patrimônios materiais, imateriais, afetivos,
práticas de trabalho, religiosidades, sociabilidades que exigem e forjam a
construção de projetos sociais alternativos para defender suas existências.
Em relações quase sempre desiguais, grupos nativos e diaspóricos, misturando-se
em diferentes tempos e espaços nas florestas e cidades das muitas Amazônias,
desde há muito, encontram-se e se confrontam com epistemologias eurocentradas,
defendendo, em meio às tensões e conflitos presentes nos contatos e
intercâmbios culturais, interesses e necessidades orientadas por cosmologias
esquadrinhadas em seus universos culturais.
Os diálogos e estudos de diferentes pesquisadores dos mundos amazônicos vêm
procurando colocar em evidência práticas culturais e modos de vida gestados em
condições peculiares de relação cultura-natureza. A partir desses estudos
procuramos definir as noções de patrimônios, histórias e literaturas que
tematizam este simpósio.
Patrimônios porque parte da noção própria daquilo que é essencial para a
compreensão das culturas amazônicas, a partir das quais homem e “mundo natural”
(THOMAS, 2010) se misturam por entre rios, cidades, florestas, serras, vales e
as altitudes andinas culturalizando-se ou naturalizando-se na produção de saberes
e viveres, crenças, línguas e tudo o que faz parte da produção de humanidades,
na perspectiva do tangível e do intangível.
Histórias porque tecidas secularmente num mundo marcado pelo tempo da grafia e
da pena do colonizador (CERTEAU, 1982) que traduz e é traduzida pelo corpo do
colonizado (PRATT, 1999). Mas também por temporalidades geológicas e naturais
que produzem outras perspectivas a constituir o ritmo da vida, produzido
performances, percussões, oralidades impossíveis de serem traduzidas pelas letras
brancas.
Literaturas porque tempo e espaço não perduram à margem de narrativas (RICOEUR,
2011), mas entranhadas como dimensão ontológica de sua própria existência. Para
além dessa percepção porque ficção e história se articulam como parte da
própria “invenção” (GONDIM, 1994) de uma Amazônia singularizada e a-histórica,
impregnada de sedentarismo, que é cotidianamente desafiada pela errância
(GLISSANT, 2005) de “corpos inabitáveis” (VILELA, 2001), pelas falas do
intraduzível que somente ganha sentido como parte dos símbolos, desenhos,
gestos, cores, odores, saberes, sabores e espiritualidades que se deslocam
incessantemente não somente pelas diásporas (HALL, 2003) oriundas dos contatos
étnicos, linguísticos e culturais, mas da própria condição de ser, viver e
produzir os espaços e tempos amazônicos e pan-amazônicos.
Nessa direção, a relevância deste Simpósio consiste na premissa dele estar
norteado pelo princípio de correlacionar práticas investigativas em torno de
dinâmicas de vida em florestas e cidades amazônicas, pontuando suas semelhanças
e diferenças, com o compromisso político e a responsabilidade social na defesa
do direito à vida, à história, à memória, ao patrimônio e à cidadania das
gentes que vivem nas Amazônias. Constitui-se, portanto, em mais um espaço de
afirmação do caráter indissociável entre teoria e prática, academia e
sociedade, razão pela qual pesquisadores envolvidos com temáticas do plural e
complexo mundo amazônico estão convidados a filiarem-se a este movimento de
diálogo, socialização e reflexão de escritas sobre diferentes formas de
patrimônios, histórias e literatura
Bibliografia:
CERTEAU,
M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982
GLISSANT,
E. Introdução à uma poética da diversidade. Juiz de Fora: UFJF, 2005.
GONDIM,
N. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.
HALL, S.
Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2003.
HEMMING,
J. Fronteira amazônica: a derrota dos Índios brasileiros. Tradução de Antônio de
Pádua Danese. São Paulo: Edusp, 2009.
LEONARDI,
V. P. B. Entre árvores e esquecimentos: história social nos sertões do Brasil.
Brasília: Paralelo 15, 1996.
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T. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e a representação geográfica da
identidade nacional. Rio de Janeiro: Revan/IUPERJ, 1999.
PACHECO,
A. S. E o negro vestiu o índio... Intercâmbios afroindígenas pela Amazônia
marajoara. São Paulo: Anais do Simpósio Nacional da Anpuh, 2011.
PRATT, M.
L. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Tradução de Jézio
Hernani Bonfim Gutierre. Bauru: Edusc, 1999.
RICOUER,
P. Tempo e narrativa. Tradução de Claudia Berliner e Márcia Valéria Martinez de
Aguiar. Editora WMF Martins Fontes, 2011.
SAID, E.
W. Cultura e imperialismo. Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Cia das Letras,
1995.
SARLO, B.
Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução: Rosa Freire
D’Aguiar. São Paulo: Cia das Letras; Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.
SUSSEKIND,
F. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo. Companhia das
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THOMAS,
K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitudes em relação às plantas e aos
animais (1500-1900). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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A. S. Sertões de bárbaros: o mundo natural e as sociedades indígenas na
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2009.
VILELA,
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SKLIAR (Orgs.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.